Ler atravésGabriela Sobral O ato de ler cria uma determinada cena: de um momento íntimo, solitário, em um ambiente que elegemos – sentados em um café, em pé no ônibus, deitados em nossas camas e redes; há uma pausa para uma anotação ou para pensar sobre o texto que, por vezes, nos causa espanto. Agora, quer espanto? Vá a um clube de leitura e veja a infinitude de espantos, assim mesmo, com todos os “ésses” possíveis, que ele vai lhe oferecer. Minha experiência com um desses clubes veio da mediação que faço no grupo Leia Mulheres Belém. Em linhas gerais, a proposta é ler autoras, com o intuito de questionarmos o espaço das mulheres não só no mercado, mas também em nossas próprias estantes. Começamos os encontros em maio deste ano. Percebi a construção de um novo olhar, a partir do compartilhamento, quando tivemos a segunda edição e lemos “A redoma de vidro” da Sylvia Plath. Algumas nuances do livro passaram por mim despercebidas até que vieram à tona no momento em que o enredo do livro era costurado com as histórias de vidas dos leitores e leitoras, trazendo uma potência à literatura não só como uma antecipação de experiências, como já me parecia, mas também da possibilidade de vivência de experiências reais que se dá pelo olhar do outro. Este real se constrói não pela vivência dos fatos em si, mas pelo compartilhamento que está no âmbito da fala e causa empatia, traz atenções antes não percebidas. Não deixa de ser, no sentido psicanalítico, uma “cura” pela palavra. É quando nomeamos o que por nos deixou de ser dito. Nesse sentido, a leitura compartilhada no Leia Mulheres vem sendo capaz de criar novos significantes e de termos contato com um real para além de experiências próprias. Com isso o texto ganha outras potencialidades e interpretações. Estamos diante desse real que por vezes não sabíamos nomear, que estava por aí, mas que nos aparece para interferir na nossa própria construção de realidade. O caso do livro da Plath foi emblemático para mim e para a Luiza Chedieck (a outra mediadora do clube junto comigo), pois um olhar muito ferrenho deixou escapar pensamentos de que a vida, aparentemente burguesa da personagem não nos tinha muito a dizer. Um equívoco; pois o julgamento prévio (pré-conceito?) esvaziou a leitura e a narrativa enquanto experiência. No momento que fomos para a leitura conjunta, tive a oportunidade de reorganizar minha própria narrativa do texto, que trouxe temas, como a saúde mental, internação compulsória e a admissão da nossa existência enquanto indivíduos, fazendo parte de um coletivo, o que me tirou da minha bolha, ou melhor, quebrou a minha redoma de vidro. Em outra situação, lemos “Quarto de Despejo”, da Carolina Maria de Jesus (escritora negra e que morava em uma favela paulistana). O livro é um diário biográfico de Carolina, no qual ela relata seu ambiente social, as relações pessoais na favela e, ainda, sua vivência profissional enquanto catadora de papel. Nesse encontro, uma das participantes disse que a partir da leitura em que se narra a vida de mulheres da favela, ela passou a aceitar a mãe, que mora em um bairro pobre de Belém, (no qual a participante não reside) , pois sempre morou com as tias, que têm uma condição de vida financeira estável. Com isso, dizia ter dificuldades de entender o lugar que a mãe ocupava. Por que estava ali? Por que vivia uma situação diferenciada das tias? Por que não tinha feito outras escolhas? Isso me acompanha sempre que penso na leitura como algo que atravessa a consciência, é imprevisível até onde chega a capacidade de nos trazer novos significantes. Como li em um editorial do caderno Suplemento Pernambuco, escrito por Igor Gomes “a literatura serve, antes de tudo, como via de acesso ao real”. O que é o Leia Mulheres
A iniciativa nasceu inspirada na camapanha #readwomen2014 (#leiamulheres2014) da escritora Joanna Walsh que consistia em estimular a leitura de mulheres. Um grupo em São Paulo começou o clube presencial, em que sempre se lê uma autora, e, atualmente ocorre em quase 40 cidades, mensalmente. A mediação é sempre feita por mulheres, mas é aberto a todos, todas e todxs. Acesse o site aqui.
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Julho 2017
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