Flávio BotelhoFazia tempo que eu não me sentia assim. Impotente, sem esperança, como se tivessem arrancado meu coração de dentro do meu peito. A última vez tinha sido na madrugada do acidente aéreo com a Chapecoense.
Eu estava acordado quando os primeiros relatos começaram a aparecer na internet, e lembro de ter ficado até cerca de 4 horas da manhã acompanhando as notícias sobre a tragédia que ocorrera na Colômbia. Com o coração despedaçado. Chorando como se conhecesse todos os que tinham falecido. E em 14 de março o sentimento que tomou conta de mim foi o mesmo. Executaram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes no Centro do Rio. No Estácio. Em uma rua próxima ao prédio da Prefeitura, local onde eu vou trabalhar todos os dias. Nove disparos. Sem piedade. A sangue frio. Não votei na Marielle, não a conhecia. Mas ninguém pode negar o fato de que ela representava uma grande parcela da população carioca. O favelado. O cara que sai mais cedo do que todos os outros para conseguir chegar no trabalho ao mesmo tempo que todo mundo. Aquele que nunca teve voz. A pessoa que precisa fazer o dobro de esforço do que outros fazem para conseguir alcançar o mesmo objetivo. Marielle nasceu na favela da Maré. Era negra, lésbica, mãe, filha. E foi eleita vereadora do Rio de Janeiro com a quinta maior votação nas eleições de 2016. Uma representante do povo foi assassinada. As investigações estão em curso, mas dentro de mim já brota uma triste certeza: foi execução. Calaram a voz da Marielle. E não foi o tráfico que mandou executá-la. Não foram assaltantes que cometeram este crime bárbaro e cruel. Sabemos quem foi. Sabemos quem fez. Esse é o país em que vivemos. Essa é a cidade que, sem lei, vai perdendo seus filhos e suas filhas todos os dias. Sejam eles estudantes, policiais militares, trabalhadores ou vereadoras. Meu coração ficou outra vez despedaçado. Novamente, chorei copiosamente diante da televisão ligada por uma pessoa que não conheci. E, nos tempos da informação desenfreada e do compartilhamento incessante, o que mais entristeceu também foi ver as besteiras ditas com ar de verdade, as críticas e as tentativas de culpar Marielle e Anderson pela tragédia que os atingiu. Na cabeça de alguns uma vereadora negra de esquerda não pode se tornar um mártir da violência pública. Só quem pode é o policial morto em combate, a médica morta no arrastão. Na competição sanguinária de quem é mais significativo para este ou aquele grupo, mais uma família chora a morte do seu ente querido. Naquele 14 de março, a felicidade do futebol de quarta à noite não fez sentido. Dia após dia, o Rio de Janeiro vai dormir de luto. Marielle, você sempre estará presente. Nas nossas vidas, nos nossos corações, nos nossos gritos, nos nossos pensamentos. Marielle, presente!
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Julho 2017
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