senhores turistas, eu gostaria de frisar mais uma vez que nestes blocos de apartamentos moram inclusive pessoas normais Nicolas Behr.
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OUTRO Perdi meu senso de urgência. Não sei se foi antes ou depois daquela lambida, seus anticorpos e o meu corpo no que ia submergindo, derretendo as traves. Qual o meu interesse qual o quê eu não sabia essa casa está doente e o tamanho da minha mordida não será maior que qualquer estrada. Aqui dentro não há mais vaga. Aqui dentro não há mais nenhuma vaga. Perdi mais objetos que encontrei e agora a maior parte deles existe sem os nomes que lhes dei. Volto à sua língua, sua lambida: corta, abre, costura e fecha. Laura Liuzzi.
Que a palavra te redima do erro. Que a palavra seja o erro. Deslizas sobre a terra. Deslizas sobre as águas. Tudo é veloz e extremo. Pó em torno da tua dor. Pó em torno do teu choro. O que te atinge em pleno voo. A cegueira que te atinge em pleno voo. Ergues-te para a mais secreta alegria de abandonares o teu corpo. Que a palavra te redima do erro. Que a palavra seja o erro. A tua história, onde escreveste o indefinível do teu nome. Eras criança. Estendias as tuas asas. E as tuas asas faziam a imensa sombra sob a qual se abrigava o que era reconhecível e amável. Deslizas sobre a terra. Deslizas sobre as águas. Tens o talento antigo de estenderes as tuas asas. Agora quebradas, para sempre quebradas. Já sem a amplitude do início, é no ocaso que escondes a tua vergonha. Por tua vontade, desejo e mágoa exumas a palavra do passado, a inocência que o não era. Que a palavra te redima do erro. Que a palavra seja o erro. Luís Quintais.
MARGINAL RECIFE Recife Cidade das pontes E das fontes da miséria Poetas mendigando passes Pra voltar pra casa E sua poesia passando despercebida Aliás, Nem passa. Miró da Muribeca.
irmão mãos trêmulas vontade de matar-se para esquecer fuga de si para outra vez ser genuíno voltar do naufrágio hepático limpo, intacto menino afogado no fígado Danilo Bueno.
Na ponta dos dedos batem as palavras sísmicas. E a testa abre-se profusamente à força do nome. Digo: aquele que escreve infunde o prodígio, respira ao cimo com a luz nos pulmões, atravessa como se florisse nos abismos. Jorge Melícias.
XXX Entrar de navalha em punho enterrar no verbo os dois gumes bem fundo e certeiro corpo a corpo. Esperar que sangre a salvação carmim um verso de ponta e mola. Marta Bernardes.
Poema em linha reta Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida… Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. Álvaro de Campos.
Considerações de Aninha Melhor do que a criatura, fez o criador a criação. A criatura é limitada. O tempo, o espaço, normas e costumes. Erros e acertos. A criação é ilimitada. Excede o tempo e o meio. Projeta-se no Cosmos. Cora Coralina.
RESERVADO AO VENENO Hoje é um dia reservado ao veneno e às pequenas coisas teias de aranha filigranas de cólera restos de pulmão onde corre o marfim é um dia perfeitamente para cães alguém deu à manivela para nascer o sol circular o mau hálito esta cinza nos olhos alguém que não percebia nada de comércio lançou no mercado esta ferrugem hoje não é a mesma coisa que um búzio para ouvir o coração não é um dia no seu eixo não é para pessoas é um dia ao nível do verniz e dos punhais e esta noite uma cratera para boémios não é uma pátria não é esta noite que é uma pátria é um dia a mais ou a menos na alma como chumbo derretido na garganta um peixo nos ouvidos uma zona de lava hoje é um dia de túneis e alçapões de luxo com sirenes ao crepúsculo a trezentos anos do amor a trezentos anos da morte a outro dia como este do asfalto e do sangue hoje não é um dia para fazer a barba não é um dia para homens não é um dia para palavras António José Forte.
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Julho 2017
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