Tudo que Cessa Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa Se é para nós que cessa. Aquele arbusto Fenece, e vai com ele Parte da minha vida. Em tudo quanto olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo, Nem distingue a memória Do que vi do que fui. Ricardo Reis.
0 Comentários
agora ar é ar e coisa é coisa:traço nenhum da terra celestial seduz nossos olhos sem ênfase onde luz a verdade magnífica do espaço. Montanhas são montanhas;céus são céus - e uma tal liberdade nos aquece que é como se o universo uno,sem véus, total,de nós(somente nós)viesse - sim;como se, despertas do torpor do verão,nossas almas mergulhassem no branco sono onde se irá depor toda a curiosidade deste mundo (com júbilo de amor)imortal e a coragem de receber do tempo o sonho mais profundo e.e. cummings (tradução de Augusto de Campos).
já vi mendigos demais com os olhos vidrados bebendo vinho barato debaixo da ponte você se senta comigo no sofá nesta noite nova mulher. você já viu os documentários sobre animais carnívoros? eles mostram a morte. e agora me pergunto que animal entre nós dois devorará primeiro o outro física e por fim espiritualmente? nós consumimos animais e então um de nós consome o outro, meu amor. enquanto isso prefiro que você vá primeiro e do primeiro jeito se os gráficos de performance passadas significarem alguma coisa eu certamente irei primeiro e do último jeito. Charles Bukowski.
vamos perder e retomar o contato vamos perder o contato? visto que não há motivo para mantê-lo por meio de encontros e recados se a cada dia acordamos outro e não vamos manter nem em sonho nosso outro de ontem outrora foi mais fácil cortar os laços todos vamos retomar e perder o contato só no arquivo permanente do passado o outro ficará pra sempre lacrado prêmio que apenas antecipamos cromo raríssimo pacote intacto Ana Guadalupe.
Coqueiral A saudade é um batimento que rebenta assim vinte e oito vezes desde meu ombro tatuado de desastre até à rosa pendurada em sua boca E o amor, neste caso específico, é um mergulho destemido que deriva quase sempre de uma nota climática apenas para convergir no osso frontal do crânio do rei da ilusão – terno é o seu rosto Senhor, os ossinhos do mundo são de mel e ouro. Matilde Campilho.
Furta-cor Este é nosso saldo: um vestido rasgado promessas de orgasmos momentos felizes e o seu dom de cura aguçando cicatrizes O muito se instalou em mim. Bárbara Leite.
descendes da hora em que os olhos alcançaram o espontâneo abandono da ciência e a boca se aproximou da luz para revelar o desastre do esperma a extremada pronúncia do coração João Rios.
Soneto de Contrição Eu te amo, Maria, eu te amo tanto Que o meu peito me dói como em doença E quanto mais me seja a dor intensa Mais cresce na minha alma teu encanto. Como a criança que vagueia o canto Ante o mistério da amplidão suspensa Meu coração é um vago de acalanto Berçando versos de saudade imensa. Não é maior o coração que a alma Nem melhor a presença que a saudade Só te amar é divino, e sentir calma… E é uma calma tão feita de humildade Que tão mais te soubesse pertencida Menos seria eterno em tua vida. Vinícius de Moraes.
BALADA DA MASTURBADORA SOLITÁRIA O final de um caso é sempre a morte. Ela é a minha oficina. Olho escorregadio, fora da tribo de mim mesma o meu fôlego encontra-te ausente. Escandalizo os que estão presentes. Estou saciada. De noite, só, caso-me com a cama. Dedo a dedo, agora é minha. Ela não está demasiado longe. Ela é o meu encontro. Toco-a como um sino. Reclino-me no caramanchão onde costumavas montá-la. Possuíste-me na colcha florida. À noite, só, caso-me com a cama. Toma por exemplo esta noite, meu amor, em que cada casal mistura com uma reviravolta conjunta, para baixo, para cima, o dois abundante sobre esponja e pena, ajoelhando-se e empurrando, cabeça contra cabeça. De noite, só, caso-me com a cama. Desta forma escapo do meu corpo, um milagre irritante. Podia eu colocar o mercado dos sonhos em exibição? Espalho-me. Crucifico. Minha pequena ameixa, dizias tu. À noite, só, caso-me com a cama. Então chegou a minha rival de olhos escuros. A dama de água, erguendo-se na praia, um piano nas pontas dos dedos, vergonha nos seus lábios e uma voz de flauta. Entretanto, passei a ser a vassoura usada. Á noite, só, caso-me com a cama. Ela agarrou-te como uma mulher agarra um vestido de saldo de uma estante e eu parti da mesma forma que uma pedra parte. Devolvo-te os teus livros e a tua cana de pesca. No jornal de hoje dizem que és casado. À noite, só, caso-me com a cama. Rapazes e raparigas são um esta noite. Desabotoam blusas. Abrem fechos. Descalçam sapatos. Apagam a luz. As criaturas bruxuleantes estão cheias de mentiras. Comem-se uns aos outros. Estão repletos. À noite, só, caso-me com a cama. Anne Sexton (tradução de Jorge Sousa Braga).
amargos dormem tempos opostos nas paisagens do espaço afundava-se volumoso coração no interior do quarto ilimitada natureza a sólida alma próxima zona virgem a viagem das enguias lugares de pequenas colinas ou seja: sentem ondeadas brasas acesas noites também permanecem transparentes em forma de pêndulos as fragatas esperam machucadas pêlos seus remos as algas refúgio: atravessam os olhos cidades astrais com janelas descem - velha sombra o basalto - lentas frestas melhorando muito longe a idade do sol estas casas dos corpos adoptando formas vermelhas os pomares voltavam ardendo à teia todo tempo opostoe aqui para editar. Abreu Paxe.
|
Archives
Julho 2017
Categories
Todos
|
ESCORRER