receita para um ataque de pânico esteja em uma sala cheia de pessoas tentando discutir o porquê de se levar em consideração aquilo que o Edgar Allan Poe escreveu a respeito da estrutura de um conto saia correndo de uma sala porque alguém lhe olha diretamente pelas costas enquanto você é a única pessoa que resta sentada tenha que sair da estação são bento às duas da tarde eu devo dizer não é fácil ou então saia da sé às seis da tarde ou da república na hora do almoço ou então tenha um primeiro encontro ao joão e ao paraíso Fabio Saldanha.
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CASAS Fevereiro de 2015. Chamei casa ao teu nome e nele habitei como numa infância impossível Chamei casa aos teus cabelos aos teus lábios à tua pele e desamparado habitei teu oblongo nome Agora quem me salvará desta guerra desta sólida solidão de paredes tivesse lido certos poetas mais cedo e saberia como fugir da literatura como abandonar uma casa sem que pareça ter sido ela quem me abandonou Vejo a veloz multidão de vozes e temo encontrar-te sublinho decassílabos nos jornais procuro mulheres como casas em classificados e pergunto-me Viveria sob este nome salvar-me-ia ele do silente ruir de tudo Nuno Azevedo.
Iremos juntos sozinhos pela areia Embalados no dia Colhendo as algas roxas e os corais Que na praia deixou a maré cheia. As palavras que disseres e que eu disser Serão somente as palavras que há nas coisas Virás comigo desumanamente Como vêm as ondas com o vento. O belo dia liso como um linho Interminável será sem um defeito Cheio de imagens e conhecimento. Sophia de Mello Breyner Andresen.
TRÊS POESIAS 1 Já nada me resta para dizer Tudo o que tinha a dizer Já foi dito não sei quantas vezes. 2 Perguntei não sei quantas vezes Mas ninguém responde às minhas perguntas. É absolutamente necessário Que o abismo responda de uma vez Porque já vai sobrando pouco tempo. 3 Só uma coisa é clara: Que a carne se enche de larvas. Nicanor Parra (tradução de Bruno Ministro).
ESTILO — Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo sutil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significa ção. Faço-me entender? Não? Bem, não agüentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos? Uma vez fui a um médico. — Doutor, estou louco — disse. — Devo estar louco. — Tem loucos na família? - perguntou o médico. — Alcoólicos, sifilíticos? — Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco? O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos. — Não preciso de remédios - disse eu. — Sei histórias tenebrosas acerca da vida. De que me servem barbitúricos? A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. Mas ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem velhíssimo não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas. O mundo é assim, que quer? E forçoso encontrar um estilo. Seria bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e nos cinemas. Procure o seu estilo, se não quer dar em pantanas. Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música. — João Sebastião Bach. Conhece o Concerto Brandeburguês n°5? Conhece com certeza essa coisa tão simples, tão harmoniosa e definitiva que é um sistema de três equações e três incógnitas. Primário, rudimentar. Resolvi milhares de equações. Depois ouvia Bach. Consegui um estilo. Aplico-o à noite, quando acordo às quatro da madrugada. É simples: quando acordo aterrorizado, vendo as grandes sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do sangue com a sua voz obscura... Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercí cio, este. Às vezes uso o processo de esvaziar as palavras. Sabe como é? Pego numa palavra fundamental. Palavras fundamentais, curioso... Pego numa palavra fundamental: Amor, Doença, Medo, Morte, Metamorfose. Digo-a baixo vinte vezes. Já não significa. E um modo de alcançar o estilo. Veja agora esta artimanha: As crianças enlouquecem em coisas de poesia. Escutai um instante como ficam presas no alto desse grito, como a eternidade as acolhe enquanto gritam e gritam. (...) — E nada mais somos do que o Poema onde as crianças se distanciam loucamente. Trata-se do excerto de uma poesia. Gosta de poesia? Sabe o que é poesia? Tem medo da poesia? Tem o demoníaco júbilo da poesia? Pois veja. É também um estilo. O poeta não morre da morte da poesia. É o estilo. Está a ouvir como essas enormes crianças gritam e gritam, entrando na eternidade? Note: somos o Poema onde elas se distanciam. Como? Loucamente. Quem suportaria esses gritos magníficos? Mas o poeta faz o estilo. Perdão, seja um pouco mais honesto. Seja ao menos mais inteligente. Vê-se bem que não estou louco. Eu, não. As crianças é que enlouquecem, e isso é porque lhes falta um estilo. Sabe do que lhe estive a falar? Da vida? Da maneira de se desembaraçar dela? Bem, o senhor não é estúpido, mas também não é muito inteligente. Conheço. Conheço o gênero. Talvez eu já tivesse sido assim. Pratica as artes com parcimônia: não a poesia, mas as poesias. Cultiva-se, evidentemente. Se calhar está demasiado na posse de um estilo. Mas, escute cá, a loucura, a tenebrosa e maravilhosa loucura... Enfim, não seria isso mais nobre, digamos, mais conforme ao grande segredo da nossa humanidade? Talvez o senhor seja mais inteligente do que eu. Herberto Helder in Os Passos Em Volta.
TÃO CEDO PASSA tudo quanto passa! Morre tão jovem ante os deuses quanto Morre! Tudo é tão pouco! Nada se sabe, tudo se imagina. Circunda-te de rosas, ama, bebe E cala. O mais é nada. Ricardo Reis.
Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios. Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa. Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição. Um sujeito chega, atenta, encolhendo os ombros ou estirando o beiço, naqueles desconhecidos que se amontoam por detrás do vidro. Outro larga uma opinião à-toa. Basbaques escutam, saem. E os autores, resignados, mostram as letras e os algarismos, oferecendo-se como as mulheres da Rua da Lama. Vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos, que emagreceram. As mãos já não são minhas: são mãos de velho, fracas e inúteis. As escoriações das palmas cicatrizaram. Impossível trabalhar. Dão-me um ofício, um relatório, para datilografar, na repartição. Até dez linhas vou bem. Daí em diante a cara balofa de Julião Tavares aparece em cima do original, e os meus dedos encontram no teclado uma resistência mole de carne gorda. E lá vem o erro. Tento vencer a obsessão, capricho em não usar a borracha. Concluo o trabalho, mas a resma de papel fica muito reduzida. Graciliano Ramos.
16 está muito frio e não vai melhorar. você precisa ir embora. você precisa voltar. submarinos nas suas unhas… me dá seus braços, diamante. me cobrir nas suas palavras de abril, sua risada negra, sua cara de sono, seu coração quente. quero engolir o sol contigo, pousar o céu no seu rosto, te ver chover pelos olhos. te ver chover e: nuvens de água salgada. tenho vontade de saliva. de mar. me cobrir sem metáforas, com seu corpo mesmo. sobre o meu enfermo. sobre meu enfermo coração. se vê? tenho vontade sua. subir na árvore. te ensinar duas-rodas. colher frutas. ler o jantar. desconstruir. ressignificar. emancipar. vê? tenho vontade. te fazer ouvir com os dedos. arrumar sua franja. revelar as fotos. cortar o tempo. ser um pássaro agora. submarinos nas suas unhas… amar ouvindo montanhas se movendo. está muito frio e não vai melhorar. você precisa ir embora. você precisa voltar. hoje faz um ano que veio. hoje faz setenta e quatro dias que não vem. Rafael Bessa.
sei da história do passaporte, da viagem que fizeste de comboio e do atraso em campanhã ao longe conto pontes são muitas, é verdade o rio corta a cidade e encontra o mar na foz sinto saudades de gaia, e as caves me chamam para embriagar a alma nesta paisagem secular sorrio no fim de tarde ouço gaivotas morrendo ou gritando de felicidade enquanto jovens acendem o fumo, tabaco indispensável para cafés nas esplanadas, na primavera dessa cidade são bento, aliados, os clérigos à noite todos andam pelas galerias em paris, no porto, são paulo faz tempo que não te falo como andam as coisas por aqui. Rafael Braga.
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