fica tranquilo meu amigo que tudo isso passa e cicatriza e arranha e dói e só dói porque na vida estamos aí pra sofrer e sorrir e curtir e beber e amar e chapar e viver vivendo essas coisas todas e também as tolas e muito mais uma vez enfim é assim e que bom que é assim então se acalma e sente no fundo com força no peito pois daqui pra frente meu velho se vive e se mata a cada dia e noite e bar e madrugada por isso relaxa e puxa o banco e o trago senta aqui do lado e bebe nesta roda de fumaça nosso mate amargo e solta nessas lágrimas os teus monstros todos loucos porque essa tarde oca ainda é pouca prum bom papo que nos aconchega a alma e sossega a paz e quem sabe também gritamos nossos choros e ais e quando aquele vento forte rompe os lamentos um tanto sós e uma brisa leve leva essa angústia boba pra algum cais longe muitos nós dessa realidade besta que só um dia mais ranzinza que outro e mais velho que outros e me diga se não vê o tempo voar pela janela aberta desse coração pequeno que bate porque não há o que dê jeito e sabe como é preciso remar junto por que agora e pra sempre estamos contra a maré compadre nesse riacho que nos coube nunca é tarde pra nadar Junior Bellé.
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3 poemas de Bárbara Cabralamores impossíveis (inspirado na automutilação de pássaros) amores impossíveis são absortos ridículos de amar insuportáveis. Credíveis por ser de subespécie humana, ethos mundano Se ama, sem nem se quer gostar. Eu que não tinha nada na cabeça amava por amar. Tédio da mutilação o amor. Histórias que nunca foram tudo que poderia ser não é e já era - por consequência do tempo sobre a mania de brincar com marionetes humanos. deus é tempo. nem queria estar, entretanto ele estava lá. Ou quando se quis, o outro foi embora. Ninguém podia envaidecer sentimento. Assim segue, mesmo se o amor é grande, o tempo é tão maior que não cabe sentir qualquer coisa em nenhum momento se o tempo não deixa. Tanto quanto quero amar-te tão pesadamente quanto o peso das folhas sobre as formigas que andam na calçada com efeito ainda assim, tão levemente quanto a estrutura das pernas minúsculas sob os insetos que se movem sem reclamar. amar é isto. A autora
Barbara Cabral tem 25 anos e é graduada em Jornalismo e Audiovisual, mas gosta mesmo é de poesia. Mestranda em assuntos de cinema e amor. Publica seus poemas aqui. Os Ombros Suportam o Mundo Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. Carlos Drummond de Andrade.
Conheço o sal... Conheço o sal da tua pele seca Depois que o estio se volveu inverno De carne repousada em suor nocturno. Conheço o sal do leite que bebemos Quando das bocas se estreitavam lábios E o coração no sexo palpitava. Conheço o sal dos teus cabelos negros Os louros ou cinzentos que se enrolam Neste dormir de brilhos azulados. Conheço o sal que resta em minhas mãos Como nas praias o perfume fica Quando a maré desceu e se retrai. Conheço o sal da tua boca, o sal Da tua língua, o sal de teus mamilos, E o da cintura se encurvando de ancas. Jorge de Sena.
Elementário O verdadeiro sentido das palavras é que o poema consiste em falar do que não pode ser dito a quem se quer dizer ou o verdadeiro sentido das palavras é que o poema consiste em não falar do que pode ser dito a quem se quer dizer ou o verdadeiro sentido das palavras é que o poema consiste em não falar do que não pode ser dito a quem se quer dizer ou o verdadeiro sentido das palavras é que o poema consiste em falar do que pode ser dito a quem se não quer dizer isto, claro, partindo do princípio de que há um sentido das palavras, verdadeiro, um poema e um a quem se queira dizer. Daniel Jonas.
Retrato do artista quando coisa A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. Manoel de Barros.
3 poemas de Rafael Bessadia amarelo ela me acorda. tarde: cabeça em suor. piso nuvens de frases em minúsculo. sinto a garoa de vogais. ela traz o passado no rosto e me convence. dia amarelo. vejo crianças na janela e janelas nas crianças. a brisa sopra advérbios de modo. ela me abraça, dói mas eu não digo. preenche minhas lacunas com neve. pesa sobre o corpo como abismo. volto a dormir. cinco-horas: cabeça em céu. engulo chuvas de hiatos. sussurro tempestades de neologismos. talvez eu só esteja surpreso por não sentir coisa alguma eu penso em manusear armas de fogo estudar hagiografia aumentar a resistência física ler crítica da economia política das kapital mas por quem você se tornou eu sinto absolutamente nada sei que atrás de tuas lentes largas há uma dor que secretamente afagas (há uma dor que secretamente calas) sonhas em sangrar com alguém ao lado e sei que no ponto-final que me lanças dorme a vontade de ser outras tantas como as tantas que és sobre o tablado mas espera, só mais um mês do teu egoísmo um pouquinho mais de platonismo que é pr’eu sentir um pouco mais de dor espera, que ainda não sei o que te dizer que me esvaio em centelhas ao te ver que é pr’eu sangrar o que possível for que me esvaio em centelhas ao te ver que me desfaço em centenas O autor:
Rafael Bessa tem 29 anos e nasceu em Brasília. Teve seus primeiros poemas publicados no livro Dedos de Inverno (2015). Trabalha como designer em Nova Iorque e publica seus poemas aqui. SAUDADE O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas Fernando Pessoa É frágil o coração que cruza a noite e as naves atracadas no silêncio Pra onde quer que vá existe um rumo nesta cidade-oceano de mil bússolas Ancora na memória um teu sorriso E a saudade murmura sem que escutes A voz do marinheiro visionário sobe em estrela e se desfaz em nuvem Veloz a madrugada foge em sombras e voa esta canção que te procura A alma é um jardim abandonado ao ar do outono e à algidez das ruas Luíza Mendes Furia.
Para Ti Foi para ti que desfolhei a chuva para ti soltei o perfume da terra toquei no nada e para ti foi tudo Para ti criei todas as palavras e todas me faltaram no minuto em que talhei o sabor do sempre Para ti dei voz às minhas mãos abri os gomos do tempo assaltei o mundo e pensei que tudo estava em nós nesse doce engano de tudo sermos donos sem nada termos simplesmente porque era de noite e não dormíamos eu descia em teu peito para me procurar e antes que a escuridão nos cingisse a cintura ficávamos nos olhos vivendo de um só amando de uma só vida Mia Couto.
Dei-te o meu corpo como quem estende um mapa antes de viagem, para que nele descobrisses ilhas e paraísos e aí pousasses os dedos devagar, como fazem as aves quando encontram o verão. Se me tivesses tocado, ter-me-ia desmanchado nos teus braços como uma escarpa pronta a desabar, ou uma cidade do litoral a definhar nas ondas. Mas, afinal, foste tu que desenhaste mapas nas minhas mãos – tristes geografias, labirintos de razões improváveis, tão curtas linhas que a minha vida não teve tempo senão para pressentir-se. Por isso, guardo dos teus gestos apenas conjecturas, sombras, muros e regressos – nem sequer feridas ou ruínas. E, ainda assim, sem eu saber porquê, as ondas ameaçam o lago dos meus olhos. Maria do Rosário Pedreira.
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Julho 2017
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