PSICANÁLISE CASEIRA há coisas de sobra que não se dizem há coisas que sobram no que se diz nossa miséria é uma alegria de palavras? Marcos Siscar.
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3 poemas de Rafael Braga ou cinco meses de ESCORRERluto contra o sono vespertino desses remédios. a responsabilidade de escrever dezenas de páginas. o sofrimento com a inspiração. "as musas me abandonaram", penso. e me pego preso em espaços em branco que não vão se preencher sozinhos. ouço a voz dela no fundo, sinto-me em casa. a casa que fiz em dois dias apenas com a sua voz. me parece estranho entregar-me assim a uma desconhecida, mas sou tomado por essa suavidade no seu falar. talvez seja essa a causa do sono, da moleza que acalma meu corpo um tanto ansioso. dia desses se tivesse tudo isso, talvez não tivesse pirado na rua, o medo crescente de ver as pessoas falando de mim, os olhos fechados em tentativa inútil de ser invisível. luto contra essas reações do corpo, preso num vagão de metrô, coração saindo pela boca, olhares me encarando durante toda a viagem. quis ser invisível, sempre quis sê-lo. mas ainda me é impossível simplesmente desaparecer. sem pistas que levem os indesejados ao meu alcance. luto contra a rejeição de alguns corpos, luto contra a rejeição do meu corpo. estou cansado e não consigo simplesmente desaparecer. que merda. Essas tonturas que me abrigam quando os olhos abaixam de vergonha quando me olhas inteiro por segundos Ampliam-se nestas noites em que a neblina toma a visão em que a saudade chama e há um vazio imenso em lençóis cheiros perdidos em esquinas nessa cidade inteira plana dessa vontade que nos acompanha. essas conversas que acabam do nada
exemplo de que nada prende não convence essas madrugadas que chegam e abalam com pessoas que não surpreendem não deixam nada deixaste sobras na mesa pontas de cigarro na areia quando amanhecemos abalados pelo cheiro de café que vinha do outro lado tinha mãos que descascavam e eu disse que era a bebida preocupaste o bastante para mandar-me ao médico doutores que curam essas coisas mas não as besteiras que inventamos de gastar tanta energia com os outros em conversas que acabam do nada pés que pisam sem pensar o lugar a extensão escura de um cômodo o vazio grande na pele e mais nada. SIMULACRO Daqui a algumas horas ajuda-me a subir estas escadas, ajuda-me a ler no original um certo poema de Hölderlin, antes que a noite nos deixe e se abra de novo esse soalheiro, funcionário parêntesis que nos deixa sem alternativa É pagar a pronto ou planear um exílio porque, juntos não podemos beber e nunca desejámos um futuro a dois ou qualquer género de cenário idílico - como se diz na gíria A verdade é que cada um teria que encontrar o seu sítio onde de nada sirva o incenso, os milhões de Meticais as obrigações do tesouro Se acabar por se desenhar dessas alturas um dia de regresso não precisarei de auxílio para ler no original um poema de Julian Casablancas mas farei o que estiver ao meu alcance para precisar, ao amanhecer de ajuda para subir quaisquer que sejam as escadas Luís Pedroso.
ENGARRAFAMENTO Com nós na garganta vejo a fila desses carros parados, antigos amigos me ligam, cobram poemas e sonhos, mal sabem que velhas canções cafonas soam no meu FM. Com o tempo fui ficando piegas. Eles me contam antigos amores, antigas cantilenas, antigos amores. O órgão coração me dói. Velhas cidades me sufocam, não avisto a linha do horizonte como na América do sul, as novas, de lá, jamais permaneceriam em mim. Resta um jorro incrédulo através de minhas pupilas vítreas, por sobre a cidade, cemitério ancião contemporâneo. Flávia Nascimento Falleiros.
Dar-se dar-se entregar-se o querer no outro transformar-se cegueira esplêndida esta vitória álacre e suma desgraça Ana Hatherly.
Mulheres na literatura: existe uma escrita feminina?Gabriela Sobral Narrar é possuir discurso. E qual discurso queremos construir e representar, enquanto mulheres escritoras? Por isso, mais do que nos questionarmos acerca da existência ou não de uma escrita feminina, acredito que o exercício mais válido seja problematizarmos a que se propõe esta escrita. Digo isso pois a narrativa nos permite (re) existir e (re) organizar a construção do conhecimento; erigir novas estruturas simbólicas, a partir da auto- representação.
A teórica Teresa de Lauretis identifica nas tecnologias do gênero (cinema, fotografia, produção acadêmica e literatura) um campo de produção simbólica, que, por vezes, reafirma estereótipos, como o da escrita feminina – esse lugar do sensível, do amor romântico, envolvida naquela bruma cor de rosa. Não que não possa ser, contudo a possibilidade de um único lugar limita o espectro da produção literária, que pode compreender outras vertentes como a ficção científica e de terror; só pensarmos que uma das mais importantes ficções de horror – Frankenstein – foi escrita pela jovem Mary Shelley. Dessa maneira, pela constância com que as tecnologias e mídias reproduzem estereótipos e imagens de objetificação, muitas vezes, não representadas pelas próprias mulheres, abraçar a criação de uma estética feminina na escrita pode nos levar a incorrer no erro da auto-objetificação e naturalização de certos comportamentos, que inibem e restringem ainda mais a nossa capacidade criadora, em um ambiente já permeado por relações de poder desiguais. Nota: Por isso gosto de falar de uma literatura de mulheres, de uma escrita de mulheres. A escolha por este termo nos tira de uma certa proposta estetizante e nos coloca no lugar de produtoras, revisoras, editoras. Estamos, agora, na ação, na produção do conhecimento e não na busca de nos enquadrarmos em um gênero literário imposto e construído de maneira nebulosa. O papel da musa já foi superado em certas proporções, nos cabe, no momento atual, alcançar a auto-representação e tomar as rédeas da das nossas obras, livros, fanzines, blogs ou seja qual for a materialidade do nosso ofício. Essas problemáticas, que há algum tempo eu vinha gestando, extrapolaram o pensamento e vieram parar aqui, neste ensaio, quando me deparei com o livro “Um teto todo seu” (188 pgs.), da Virginia Woolf, recentemente, reeditado pela editora Tordesilhas, com posfácio da crítica literária brasileira Noemi Jaffe. Nesta edição, estão organizadas palestras proferidas pela escritora inglesa na Newnham College e no Girton College, instituições dedicadas apenas à alunas da Universidade de Cambridge. Woolf vai tecendo um discurso que nos faz pensar como se construiu o silenciamento e adestramento da capacidade criativa das mulheres e nos leva a romper e buscar a representatividade do discurso. Imaginem como essas questões não eram processadas, tendo como contexto o início do século XX, quando mulheres não eram sujeitas de qualquer direito cidadão. Agora, na contemporaneidade, em que a cultura é esse tudo, epicentro das práticas sociais e de disputas de poder pelo conhecimento e pelo lugar de fala; devemos, enquanto escritoras, buscar nosso espaço, nossas territorialidades e reivindicar tantas outras aberturas nos processos do mercado editorial. Voltando ao livro “Um teto todo seu”, logo de início, Virginia Woolf constrói a alegoria do espelho. Segundo ela, homens se colocam em situações de poder, pois se veem em dimensões maiores diante da imagem inferiorizada da mulher. Dessa maneira, constroem uma figura de si, detentora exclusiva da vida pública, na qual é possível publicar, ter renome ou entrar para a historiografia da literatura, como se a eles fosse dado, naturalmente, o dom da reflexão e da arte. “A mulheres têm servido há séculos como espelhos, com poderes mágicos e deliciosos de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural” (pg.54), o que tira delas a autoconfiança. “É por isso que tanto Napoleão quanto Mussolini insistiam tão enfaticamente na inferioridade das mulheres, pois, se elas não fossem inferiores, eles deixariam de crescer [...] pois se ela resolver falar a verdade, a figura refletida no espelho encolherá; sua disposição de vida diminuirá” (pg.55). A escrita de mulheres deve existir enquanto construtora de história, enquanto ofício, enquanto capacidade criativa, enquanto lugar de fala que se propõe a nos colocarmos como tais (escritoras) e não para nos rendermos a um nicho de mercado, quando há conveniência. Woolf traz, ainda, a questão de que as mulheres necessitariam de uma estrutura material (casa-dinheiro) para produzir. Sabemos que ela reflete a partir de uma condição burguesa, logo, há outras nuances a serem consideradas. Além disso, estamos construindo a temática em outro tempo e espaço que também pede novos olhares. De qualquer maneira, o texto nos leva a refletir que o teto que precisamos se expande e não mais se restringe a possuir um quarto ou uma moradia, e sim angariar meios para se conquistar um território muito mais disputado: o do discurso e o dos espaços representativos da vida. Pois o silêncio não pode existir; é preciso dar movimento à nossa imagem no espelho para projetar novas dinâmicas e realidades às mulheres que escrevem. Song for Baby-O, Unborn Sweetheart when you break thru you´ll find a poet here not quite what one would choose. I won´t promise you´ll never go hungry or that you won´t be sad on this gutted breaking globe but I can show you baby enough to love to break your heart forever Diane di Prima.
Todo banal é poético: entre o cinema e a poesia; entre a contemplação e o |
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Julho 2017
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