ANIVERSÁRIO Há tanto tempo eu trazia um vestido curto nós subíamos as escadas eu à frente sem reparar deixava as pernas ao desamparo do teu agrado, tínhamos bebido ao meu futuro e era uma fuga o teu presente um disco que me deste reluzia em semi-círculo e a nós excitava seriamente escapar eu fazia vinte anos tu relanceavas-me as pernas eu abandonava a adolescência nem olhara para trás tu miravas-me as pernas de trás. Nós subíamos ao telhado eu trazia um vestido curto nós estávamos tristes creio tu fingias-te um sátiro e nós subíamos ao alto desarmados. O tambor do sol batia nos olhos que a luz e o álcool e a luz e o álcool diminuíam e os brancos raiavam o solstício incandescentes eu fazia vinte anos tu tinhas-me dado uma música eu rodava-a na mão e o sol girava no gume do metal eu de vestido curto descrevia um círculo de desejo nós estávamos tristes creio nós tínhamos subido e a crista das telhas beliscava na pele petéquias de luz e tu ao disco do sol dançavas e eu de olhos cegos espiava fazia calor nós tínhamos bebido e tínhamos calor eu já tinha vinte anos nós éramos o grande amor Margarida Vale de Gato.
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ALGUNS VERSOS As letras brancas de alguns versos me espreitam em pé no fundo azul de uma tela atrás da qual luz natural adentra a janela por onde ao levantar quase nada o olhar vejo o sol aberto amarelar as folhas da acácia em alvoroço: Marcelo está para chegar. E de repente, de fora do presente, pareço apenas lembrar disso tudo como de algo que não há de retornar jamais e em lágrimas exulto de sentir falta justamente da tarde que me banha e escorre rumo ao mar sem margens de cujo fundo veio para ser mundo e se acendeu feito um fósforo, e é tarde. Antonio Cícero.
SAUDADES Nas horas mortas da noite Como é doce o meditar Quando as estrelas cintilam Nas ondas quietas do mar; Quando a lua majestosa Surgindo linda e formosa, Como donzela vaidosa Nas águas se vai mirar ! Nessas horas de silêncio, De tristezas e de amor, Eu gosto de ouvir ao longe, Cheio de mágoa e de dor, O sino do campanário Que fala tão solitário Com esse som mortuário Que nos enche de pavor. Então - proscrito e sozinho - Eu solto os ecos da serra Suspiros dessa saudade Que no meu peito se encerra Esses prantos de amargores São prantos cheios de dores: - Saudades - dos meus amores, - Saudades da minha terra ! Casimiro de Abreu.
JOAQUIM: O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome. O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos. O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão me asseguram. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala. Falas do personagem Joaquim, em Os três mal-amados, de João Cabral de Melo Neto.
Um poema deste que vos falamomentos de crise que passam os outros necessários minutos sozinhos com as necessidades de um corpo momentos de crise logo ao se levantar trânsito caótico (sem versos que rimem, por favor) imitar a nova poesia brasileira que eclode longe da academia, dos imortais coronéis da palavra falha. momentos de crise todos passam no caminho do trabalho, de casa, na padaria discutindo política na fila do pão sorrisos amarelos para evitar maiores desafetos menores amores são motivos de mesas de bar ligações raivosas menores amores, olhem só e aqui estamos a nos importar MENORES... largo o poema para pensar no café da manhã largo os versos para desafetos maiores na fila do pão eu penso em me drogar mas ainda é cedo eu sonho em me drogar e esquecer discussões maiores pensamentos caóticos esses momentos de crise políticos amorosos vazios. Rafael Braga.
MEMÓRIA Retenho com os meus dentes a tua boca entreaberta e as palmas das mãos dormentes resvalam brandas e certas As tuas mãos no meu peito e ao longo das minhas pernas Maria Teresa Horta.
Tenho sido entregue às mais escuras das noites mudas. Que posso eu? No entre desses espinhos? Ando tão baixo quanto as formigas mas se arbusto não sou por que tenho vivido eu coberta de espinhos? Da queda fez-se um ninho maceradas folhas de sombra abrigam meu corpo. É o esquecimento da terra. Mas por que, por que vesti-me de espinhos? Si soy el temblor, o lugar onde o trovão diz EU é o meu peito alargado. Júlia de Carvalho Hansen.
Canção de outono Estes lamentos Dos violões lentos Do outono Enchem minha alma De uma onda calma De sono. E soluçando, Pálido quando Soa a hora, Recordo todos Os dias doudos De outrora. E vou à-toa No ar mau que voa, Que importa? Vou pela vida, Folha caída E morta. Paul Verlaine (tradução de Guilherme de Almeida).
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Julho 2017
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