3 poemas de Gabriela SobralBICHO Projeto de bicho dizem: bicho do mato porém, simpático digo: bicho de lama porém, afeita a banhos As pedras não arranham bicho de ferro caia à vontade porque: formada de dobradiças lado e de lado a volta é o próximo avanço Que o tempo passe porque: passarei dona dos lares manipulável e reagente O peito, ainda que orfandade, virou mãe. CORTINA Os historiadores não saem na linha de pagamento Precisa-se de arqueólogos Função: esqueletar a besta Ela é grande e sorri Taxionomia: de bem Os cadernos passam rápidos sobre ela destroem sua materialidade a carbonizam O objetivo? fumaça Somos testemunhas de seus restos eles falarão sobre nós E a vida continua. ACIDENTE DOMÉSTICO II Essa é uma conversa de quarto, do ele qualquer. Cada pontuação é de um sem medo. Mas não acho que és bem resolvido. Eu não castigaria ninguém com essa alegoria dos condomínios e das associações simuladas. O que há é a consciência honesta e majestosa da cafajestagem. Em um estalo, tu e o amigo da ladeira fecharam o buraco do projetor, sem aviso, a lente quebrou dentro do olho, este o motivo de andarem agua- dos. Não deduzi nada, tudo foi dito em tom de confissão. Jogo de joga verde e colhe maduro, tão infantil que ri quando caiu. Mas não desmereço a conduta, digna de inscrição nos tomos de ética. Certamente nunca escolherás cortinas de vidro para tua casa, com certeza serão vitrais narrativos. O evangelho de hoje mostrou a tormenta em cima da mesa, os anunciados caminham sobre ela. Enquanto me convenço que, aqui, não existe profundidade. O que suspeitam ser habilidade, é o truque de quem aprendeu a afundar e tirar pedras do bolso. Não ganho campeonatos, não há quem segure a bomba de respirar. A autora:
Gabriela Sobral (1990) nasceu em Belém-PA. É escritora de infância, após muitos anos de pausa, foi revisitando esta fase que voltou a escrever. Formou-se em jornalismo em Brasília, onde morou por sete anos e despertada pelo trânsito transpôs isso em linguagem. Expandindo-se, concluiu o mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural pelo (IPHAN).
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Ler atravésGabriela Sobral O ato de ler cria uma determinada cena: de um momento íntimo, solitário, em um ambiente que elegemos – sentados em um café, em pé no ônibus, deitados em nossas camas e redes; há uma pausa para uma anotação ou para pensar sobre o texto que, por vezes, nos causa espanto. Agora, quer espanto? Vá a um clube de leitura e veja a infinitude de espantos, assim mesmo, com todos os “ésses” possíveis, que ele vai lhe oferecer. Minha experiência com um desses clubes veio da mediação que faço no grupo Leia Mulheres Belém. Em linhas gerais, a proposta é ler autoras, com o intuito de questionarmos o espaço das mulheres não só no mercado, mas também em nossas próprias estantes. Começamos os encontros em maio deste ano. Percebi a construção de um novo olhar, a partir do compartilhamento, quando tivemos a segunda edição e lemos “A redoma de vidro” da Sylvia Plath. Algumas nuances do livro passaram por mim despercebidas até que vieram à tona no momento em que o enredo do livro era costurado com as histórias de vidas dos leitores e leitoras, trazendo uma potência à literatura não só como uma antecipação de experiências, como já me parecia, mas também da possibilidade de vivência de experiências reais que se dá pelo olhar do outro. Este real se constrói não pela vivência dos fatos em si, mas pelo compartilhamento que está no âmbito da fala e causa empatia, traz atenções antes não percebidas. Não deixa de ser, no sentido psicanalítico, uma “cura” pela palavra. É quando nomeamos o que por nos deixou de ser dito. Nesse sentido, a leitura compartilhada no Leia Mulheres vem sendo capaz de criar novos significantes e de termos contato com um real para além de experiências próprias. Com isso o texto ganha outras potencialidades e interpretações. Estamos diante desse real que por vezes não sabíamos nomear, que estava por aí, mas que nos aparece para interferir na nossa própria construção de realidade. O caso do livro da Plath foi emblemático para mim e para a Luiza Chedieck (a outra mediadora do clube junto comigo), pois um olhar muito ferrenho deixou escapar pensamentos de que a vida, aparentemente burguesa da personagem não nos tinha muito a dizer. Um equívoco; pois o julgamento prévio (pré-conceito?) esvaziou a leitura e a narrativa enquanto experiência. No momento que fomos para a leitura conjunta, tive a oportunidade de reorganizar minha própria narrativa do texto, que trouxe temas, como a saúde mental, internação compulsória e a admissão da nossa existência enquanto indivíduos, fazendo parte de um coletivo, o que me tirou da minha bolha, ou melhor, quebrou a minha redoma de vidro. Em outra situação, lemos “Quarto de Despejo”, da Carolina Maria de Jesus (escritora negra e que morava em uma favela paulistana). O livro é um diário biográfico de Carolina, no qual ela relata seu ambiente social, as relações pessoais na favela e, ainda, sua vivência profissional enquanto catadora de papel. Nesse encontro, uma das participantes disse que a partir da leitura em que se narra a vida de mulheres da favela, ela passou a aceitar a mãe, que mora em um bairro pobre de Belém, (no qual a participante não reside) , pois sempre morou com as tias, que têm uma condição de vida financeira estável. Com isso, dizia ter dificuldades de entender o lugar que a mãe ocupava. Por que estava ali? Por que vivia uma situação diferenciada das tias? Por que não tinha feito outras escolhas? Isso me acompanha sempre que penso na leitura como algo que atravessa a consciência, é imprevisível até onde chega a capacidade de nos trazer novos significantes. Como li em um editorial do caderno Suplemento Pernambuco, escrito por Igor Gomes “a literatura serve, antes de tudo, como via de acesso ao real”. O que é o Leia Mulheres
A iniciativa nasceu inspirada na camapanha #readwomen2014 (#leiamulheres2014) da escritora Joanna Walsh que consistia em estimular a leitura de mulheres. Um grupo em São Paulo começou o clube presencial, em que sempre se lê uma autora, e, atualmente ocorre em quase 40 cidades, mensalmente. A mediação é sempre feita por mulheres, mas é aberto a todos, todas e todxs. Acesse o site aqui. Mulheres na literatura: existe uma escrita feminina?Gabriela Sobral Narrar é possuir discurso. E qual discurso queremos construir e representar, enquanto mulheres escritoras? Por isso, mais do que nos questionarmos acerca da existência ou não de uma escrita feminina, acredito que o exercício mais válido seja problematizarmos a que se propõe esta escrita. Digo isso pois a narrativa nos permite (re) existir e (re) organizar a construção do conhecimento; erigir novas estruturas simbólicas, a partir da auto- representação.
A teórica Teresa de Lauretis identifica nas tecnologias do gênero (cinema, fotografia, produção acadêmica e literatura) um campo de produção simbólica, que, por vezes, reafirma estereótipos, como o da escrita feminina – esse lugar do sensível, do amor romântico, envolvida naquela bruma cor de rosa. Não que não possa ser, contudo a possibilidade de um único lugar limita o espectro da produção literária, que pode compreender outras vertentes como a ficção científica e de terror; só pensarmos que uma das mais importantes ficções de horror – Frankenstein – foi escrita pela jovem Mary Shelley. Dessa maneira, pela constância com que as tecnologias e mídias reproduzem estereótipos e imagens de objetificação, muitas vezes, não representadas pelas próprias mulheres, abraçar a criação de uma estética feminina na escrita pode nos levar a incorrer no erro da auto-objetificação e naturalização de certos comportamentos, que inibem e restringem ainda mais a nossa capacidade criadora, em um ambiente já permeado por relações de poder desiguais. Nota: Por isso gosto de falar de uma literatura de mulheres, de uma escrita de mulheres. A escolha por este termo nos tira de uma certa proposta estetizante e nos coloca no lugar de produtoras, revisoras, editoras. Estamos, agora, na ação, na produção do conhecimento e não na busca de nos enquadrarmos em um gênero literário imposto e construído de maneira nebulosa. O papel da musa já foi superado em certas proporções, nos cabe, no momento atual, alcançar a auto-representação e tomar as rédeas da das nossas obras, livros, fanzines, blogs ou seja qual for a materialidade do nosso ofício. Essas problemáticas, que há algum tempo eu vinha gestando, extrapolaram o pensamento e vieram parar aqui, neste ensaio, quando me deparei com o livro “Um teto todo seu” (188 pgs.), da Virginia Woolf, recentemente, reeditado pela editora Tordesilhas, com posfácio da crítica literária brasileira Noemi Jaffe. Nesta edição, estão organizadas palestras proferidas pela escritora inglesa na Newnham College e no Girton College, instituições dedicadas apenas à alunas da Universidade de Cambridge. Woolf vai tecendo um discurso que nos faz pensar como se construiu o silenciamento e adestramento da capacidade criativa das mulheres e nos leva a romper e buscar a representatividade do discurso. Imaginem como essas questões não eram processadas, tendo como contexto o início do século XX, quando mulheres não eram sujeitas de qualquer direito cidadão. Agora, na contemporaneidade, em que a cultura é esse tudo, epicentro das práticas sociais e de disputas de poder pelo conhecimento e pelo lugar de fala; devemos, enquanto escritoras, buscar nosso espaço, nossas territorialidades e reivindicar tantas outras aberturas nos processos do mercado editorial. Voltando ao livro “Um teto todo seu”, logo de início, Virginia Woolf constrói a alegoria do espelho. Segundo ela, homens se colocam em situações de poder, pois se veem em dimensões maiores diante da imagem inferiorizada da mulher. Dessa maneira, constroem uma figura de si, detentora exclusiva da vida pública, na qual é possível publicar, ter renome ou entrar para a historiografia da literatura, como se a eles fosse dado, naturalmente, o dom da reflexão e da arte. “A mulheres têm servido há séculos como espelhos, com poderes mágicos e deliciosos de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural” (pg.54), o que tira delas a autoconfiança. “É por isso que tanto Napoleão quanto Mussolini insistiam tão enfaticamente na inferioridade das mulheres, pois, se elas não fossem inferiores, eles deixariam de crescer [...] pois se ela resolver falar a verdade, a figura refletida no espelho encolherá; sua disposição de vida diminuirá” (pg.55). A escrita de mulheres deve existir enquanto construtora de história, enquanto ofício, enquanto capacidade criativa, enquanto lugar de fala que se propõe a nos colocarmos como tais (escritoras) e não para nos rendermos a um nicho de mercado, quando há conveniência. Woolf traz, ainda, a questão de que as mulheres necessitariam de uma estrutura material (casa-dinheiro) para produzir. Sabemos que ela reflete a partir de uma condição burguesa, logo, há outras nuances a serem consideradas. Além disso, estamos construindo a temática em outro tempo e espaço que também pede novos olhares. De qualquer maneira, o texto nos leva a refletir que o teto que precisamos se expande e não mais se restringe a possuir um quarto ou uma moradia, e sim angariar meios para se conquistar um território muito mais disputado: o do discurso e o dos espaços representativos da vida. Pois o silêncio não pode existir; é preciso dar movimento à nossa imagem no espelho para projetar novas dinâmicas e realidades às mulheres que escrevem. |
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Julho 2017
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