Malú Nunes A gente segura as batidas do coração acreditando veemente que a alma não estremece. A gente tenta estancar o sangue ferida aberta como se ele não escorresse por dentro queimando veias saltadas, pulsando os efeitos da repulsa por si mesmo, tentando encobrir o pecado, fingindo ser santo quando se é pagão. Aceitar as piores partes do ser é, mesmo sangrando, permanecer sorrindo. Talvez isso seja esperança ou talvez haja muito medo por trás dos dentes. Talvez seja um riso de vergonha como quem se desculpa pelos próprios defeitos, pelas falhas.
É difícil não se demonizar desejando um porre de água benta na tentativa inútil de purificação, após perceber o vazio dentro dos olhos inchados no rosto opaco. Dentro do espelho pregado na parede imunda do banheiro do bar. Numa mão o copo, dentro a solução: engolindo vorazmente para empurrar a angústia e expulsá-la como vômito. Cabeça frágil, corpo aberto, peito dilacerado, pensamento na morte. Encontro meus olhos novamente no reflexo e me sinto errada, mortal, indubitavelmente humana; tenho então a certeza de que envelheci. Respiro. O quê? Conspiro. Contra quem? Refém da própria vida, réu e juiz do mesmo crime. Sou tão infinita que ocupo todos os espaços, sou grande, feita de vontade, impulso, ansiedade e frustração. Gargalho de minhas mazelas, o som do meu riso é a melodia do desespero; a orquestra soa estridente, é a resposta sem explicação dos meus nervos já adoentados de tanto penar. A gente vai vivendo e percebe que não é preciso ter resposta para tudo, certas coisas simplesmente são ou não. A euforia e prontidão da língua juvenil impiedosa e inquieta vão dando lugar à preguiça e complacência senil, mas ainda implodo na pele. As lágrimas iluminam minha face como fogos de artifício inspirando promessas em noite de réveillon. Anuncio minha dor e acendo. Chorar é meu refúgio quando a alma rasga a carne. Soluço para o mundo minhas escolhas erradas, cerro os dentes com toda a força num quase sorriso em meio ao pranto e pago em raiva aos cobradores da vida. Apago. Ao amanhecer é 1º de janeiro outra vez, berço de nova desordem tal qual o caos é berço de minha arte. Me rasgo no papel branco e o decoro com lamento, despejo ali minha confissão: culpada pela morte santa de minh’alma seguida de ressurreição.
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Julho 2017
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