ADVERTÊNCIAS Proíbe-se rezar, espirrar, Cuspir, elogiar, ajoelhar, Venerar, grunhir, expectorar. Neste recinto é proibido dormir Inocular, falar, excomungar Compor, fugir, interceptar. Rigorosamente proíbe-se correr. É proibido fumar e fornicar. Nicanor Parra (tradução de Frank Morais).
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O TEMPO Só no passado a solidão é inexplicável. Tufo de plantas misteriosas o presente Mas o passado é como a noite escura Sôbre o mar escuro Embora irreal o abutre É incômodo meu sonho de ser real Ou somos nós aparições fantasiosas E forte e verdadeiro o abutre do rochedo Os que se lembram trazem no rosto A melancolia do defunto Ontem o mundo existe O agora é a hora da nossa morte Paulo Mendes Campos.
O fim do mundo No fim de um mundo melancólico os homens lêem jornais. Homens indiferentes a comer laranjas que ardem como o sol. Me deram uma maçã para lembrar a morte. Sei que cidades telegrafam pedindo querosene. O véu que olhei voar caiu no deserto. O poema final ninguém escreverá desse mundo particular de doze horas. Em vez de juízo final a mim preocupa o sonho final. João Cabral de Melo Neto.
a porca a escrivã é uma pessoa e está curiosa como são curiosas as pessoas pergunta-me por que bebi tanto não respondi mas sei que a gente bebe pra morrer sem ter que morrer muito pergunta-me por que não gritei já que não estava amordaçada não respondi mas sei que já se nasce com a mordaça a escrivã de camisa branca engomada é excelente funcionária e datilógrafa me lembra muito uma música um animal não lembro qual. Adelaide Ivánova.
PASSAGEM DO ANO O último dia do ano não é o último dia do tempo. Outros dias virão e novas coxas e ventres te comunicarão o [ calor da vida. Beijarás bocas, rasgarás papéis, farás viagens e tantas celebrações de aniversário, formatura, promoção, glória, [ doce morte com sinfonia e coral, que o tempo ficará repleto e não ouvirás o [ clamor, os irreparáveis uivos do lobo, na solidão. O último dia do tempo não é o último dia de tudo. Fica sempre uma franja de vida onde se sentam dois homens. Um homem e seu contrário, uma mulher e seu pé, um corpo e sua memória, um olho e seu brilho, uma voz e seu eco, e quem sabe até se Deus... Recebe com simplicidade este presente do [ acaso. Mereceste viver mais um ano. Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos [ séculos. Teu pai morreu, teu avô também. Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras [ espreitam a morte, mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo, e de copo na mão esperas amanhecer. O recurso de se embriagar. O recurso da dança e do grito, o recurso da bola colorida, o recurso de Kant e da poesia, todos eles... e nenhum resolve. Surge a manhã de um novo ano. As coisas estão limpas, ordenadas. O corpo gasto renova-se em espuma. Todos os sentidos alerta funcionam. A boca está comendo vida. A boca está entupida de vida. A vida escorre da boca, lambuza as mãos, a calçada. A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia. Carlos Drummond de Andrade.
Antes de um lugar há o seu nome. E ainda a viagem até ele, que é um outro lugar mais descontínuo e inominável. Lembro-me do quadriculado verde das colinas, do sol entretido pelos telhado ao longe, dos rebanhos empurrados nos carreiros, de um cão pequeno que se atreveu à estrada. Íamos ou vínhamos? Maria do Rosário Pedreira.
Eu desisto. Aliás, nem sei porque insisto Nessa de querer ser da sua vida Se já existe quem mais te fascine Quem faz com que tua poesia rime, Quem, no silêncio, te baste Seja justo então – me afaste Ponha-me no lugar devido Não insista nesse amor barato Nem me queira dessa forma – crua Nua de verdades e de amor Eu volto quando for preciso Com o que tenho, viverei Ludmila Monteiro.
enquanto apalpam rendas e sutiãs na terceira gaveta sinto-as descer ávidas, as mãos em mim ao longo da nuca percorrem as vértebras redesenham as curvas tropeçam no fêmur até que apaga-se a vontade e jogam-me no chão boneca, cuja mola quebrou Prisca Augustoni.
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e dos restos do dia, tira da tua boca o punhal e o trânsito, sombras de teus gritos, e roupas, choros, cordas e também as faces que assomam sobre a tua sonora forma de dar, e os outros corpos que se deitam e se pisam, e as moscas que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças) que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que esqueceram teus braços e tantos movimentos que perdem teus silêncios, o os ventos altos que não dormem, que te olham da janela e em tua porta penetram como loucos pois nada te abandona nem tu ao sono. Ana Cristina Cesar.
SINTO Saudade carregada, Saudade pesada Continua sendo saudade, Mas não com cheiro de chá de cidreira E biscoitos assados na hora, na casa da avó. Ou um domingo de sol no parque, Farrinha com os amigos. Saudade com cheiro de mágoa Lágrima derramada. Ingrid Carrafa.
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Julho 2017
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