Malú Nunes PRIMEIRA EPÍSTOLA A RAFAELmeu caro,
não consigo escrever. a vida tem saído do controle e desta forma nada sai no papel. as palavras que lhe escrevo agora vêm de um lapso de sanidade impulsionado pela memória da presença de Xangô em minha coroa. ainda assim sou injusta contigo: ofereço sinceras desculpas pelo não escrito, fomentadas no silêncio falso da inspiração. mas não sei de fato explicar as razões que desmotivam minha prática literária. tem acontecido muita coisa e ao mesmo tempo nada. há um demônio rasgando meu peito à dentadas, mastigando trinta vezes minhas entranhas antes de cuspi-las no espelho do meu quarto. penso que sou eu querendo sair, respirar liberdade, encontrar Deus. tenho saído sem chegar a lugar algum e nesses dias o demônio me destroça: joga cachaça por cima de cada pedaço de carne que arranca e ri e fuma e grita. tripudia nas águas de Oyá que moram em meus olhos. definitivamente o demônio sou eu. querendo se desfazer da podridão causada pelo desamor - próprio e alheio -, cuspindo no reflexo sujo e barato que inventei e admirei por entre o pavilhão espelhado de minha existência até agora. e isso é evolução, esse desencarne da alma através da força da fé que tenho em mim mesma. eu moro no fogo que lateja em meu chacra frontal quando vou de encontro aos meus guias. arde em mim uma grandeza ainda não explorada pela falta de coragem de ser. o demônio é minha cura, minha salvação. veja bem, já me perdi em tanta ideia ao começar este discurso persuasivo de perdão e nem percebi que, desta forma, volto a brincar com as palavras na tentativa de lhe traduzir as sinapses incessantes do meu cérebro mal aproveitado. é neste momento que, além de lhe aporrinhar com justificativas contraditórias, percebo a necessidade de agradecer do fundo da alma por ter me oferecido, inconscientemente, o ombro para acolher tantas lamúrias e reflexões e a vontade de me apaixonar novamente por quem sou. Mande a Portugal as lembranças que não tenho de seus vinhos e mares. A você, a saudade e o carinho sempre presentes aqui em terras tupiniquins.
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Julho 2017
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