vou acordar cedo, ligar a cafeteira pôr o pão na torradeira e sentar à mesa e te odiar por ter me dito sorrindo e te odiar por ter me dito chorando que já não dá mais e te odiar sobretudo por não ter me dito que já não dá mais vou odiar não me chamar johnny e não ter uma arma de qualquer calibre e não ter uma pistolinha que dispara água e nem um bodoque de borracha envelhecida para ejetar essa coisa qualquer que ficou na garganta vou pegar o café na cafeteira encher a caneca e tomar sem açúcar vou pegar o pão na torradeira e cobri-lo com uns nacos de manteiga não tenho tempo para ser um poema de prévert tomo meu café e saio e na rua o ipê roxo me lembra que o grande e nunca banal ciclo da vida veja só meu amigo continua e sobretudo deixa a mensagem clara quando alguém escorrega nas flores gosmentas caídas no chão e precisa ir ao pronto-socorro levar pontos no queixo no ponto de ônibus tem sempre um rapaz ouvindo qualquer coisa que soa como erasure por mim – hoje é sexta – ele que se engane para sempre no fio de seu ipod Angélica Freitas.
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AS COISAS São feitas de vidro. Partem-se quando digo em voz alta o teu nome. Nome de todas as coisas. Inês Fonseca Santos.
Reúno frases aleatórias como quem procura um plano alternativo. Suponha-se que o encontre, suponha-se que eu ande de um lado a outro declamando versos, citando poetas mortos. Eles lutam contra o esquecimento das prateleiras e eu ando por essas calçadas, dentro deste apartamento. Vejo algumas paisagens, sinto tristeza. Estou em casa, não há dúvida nenhuma. Suponha-se que eu fique sem respirar, que perca as palavras, afasia. Os poetas estão mortos e meus lábios ressecados. Faz mais de vinte dias que você não aparece. Rafael Braga.
21. a minha memória são as cicatrizes de deus. e vivemos em carne viva para que não esqueçamos o sofrimento de que somos feitos. perdão: fui eu que te abandonei. Eduardo Quina.
3 poemas de Felipe RezendeO autor: Felipe Rezende tem 22 anos. Em 2013 publicou seu único trabalho impresso, o livreto A Calma Pressa. Participou da mostra Poesia Agora, no Museu da Língua Portuguesa. É figura sempre presente em saraus no Distrito Federal e, além da poesia, aventura-se na música e nas artes visuais. Carne mordida Saliva quente sobre carne mordida Vento mexendo as folhas dentro do sonho dentro de você O amor não é domesticado É carnívoro e indomável, corre loucamente dentro do olhar dilatado Está prenhe do universo Em segredo você já não existe pois está dentro fora de si dissolvido Monica Marques.
ACONTECIMENTO Aí estás tu à esquina das palavras de sempre amor inventado numa indústria de lábios que mordem o tempo sempre cá E o coração acontece-nos como uma dádiva de folhas nupciais nos nossos ombros de outono Caiam agora pálpebras o sacrifício que em nossos gestos há de sermos diários por fora Caiam agora que o amor chegou Ruy Belo.
Reflexão n°.1 Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio Nem ama duas vezes a mesma mulher. Deus de onde tudo deriva E a circulação e o movimento infinito. Ainda não estamos habituados com o mundo Nascer é muito comprido. Murilo Mendes.
Ter neste incerto mundo alguma posição inabalável é da maior importância. .Assim escreveu uma mulher, em parte boa e em parte audaz, que lutou com o que não compreendia de todo. Poucos homens a seu redor teriam feito mais, portanto a rotularam puta, megera, engodo. Adrienne Rich.
3 poemas de Nuno AzevedoESPASMO A mão move subitamente a mão move sob o peso quem sabe do sono da insípida sobriedade a mão move e não se pode por momentos perguntar Porque moveu a mão move e é tanto o que morre e não se pode não se pode perguntar Porque morreu Alguém morre o homem passa a criança corre e mesmo assim nada me comove nada nunca me comoveu. GORY DAYS olhai a tristeza que traz o leito feito a janela aberta no crepúsculo a roupa dobrada e o opúsculo poisado na mesa do lado direito olhai o silêncio como ele brilha por entre as divisões numa casa caminha-se para se morrer para se mover não se fizeram chãos mas abysmos nela é propícia a dissecação de palavras enquanto vivas e depois de homens enquanto palavras mortas. EXERCÍCIO EM DECASSÍLABOS Começou como sendo comoção Como são em primeiro estas cousas Comovi pois fitavas como vi Comovida essas pedras onde pousas E assim cogitando fugi tanto Que de mim me arredei e sem alento Confundi-me nas pedras onde ousas Caminhar comovente como vento. Cansado e então com sede dessa hora Consenti de uma vida sentir sono Uma Acédia um assédio um abandono Condenei-me por tuas pernas e agora Quem conduz este corpo que não move Quem acalma uma alma que comove? O autor: Nuno Azevedo nasceu em 1991, na Póvoa de Varzim. É licenciado em Línguas e Relações Internacionais e Línguas Literaturas e Culturas. Atualmente cursa o mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e desenvolve a tese intitulada "A Influência do Barroco em Daniel Jonas". O livro Ardentia rendeu-lhe o Prémio Fundação Dr. Luís Rainha Correntes d´ Escritas 2016. |
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