Malú Nunes PRIMEIRA EPÍSTOLA A LUISvocê não sabe, mas meus cabelos estão cada dia mais brancos. talvez isso seja o universo me lembrando que involuntariamente tenho em mim traços teus, no sangue, nos olhos, na boca contraída quando conto mentiras - dessas tenho me livrado a cada dia mais, aprendi com você sobre a importância de ser honesta todas as vezes em que descobri ser falsa a promessa da tua presença. eu também tenho fumado muito, você detestaria se estivesse aqui, sumiria com minhas carteiras de Marlboro e faria discursos sobre como se livrou do vício e de como faz mal, mas aproveito tua covardia mascarada pela desculpa de que na verdade você tem um jeito estúpido de amar, para tragar forte, com ódio e vontade pulando no teu eterno carnaval. eu queria que você soubesse que neste ano recuperei minha fé, assentei minhas forças. estou tentando andar nas linhas que me foram concedidas por Oxalá. no plano terreno tenho por minha casa um terreiro e por pai um Exu. Araruê! Salve a força de seu Zé Pilintra! nas conversas com o malandro me descobri gigante e imensamente ferida. as suas falhas fagulham em meu pulso, dão nó no peito mesmo quando acredito não sentir mais nada. você não sabe, mas eu escolhi fazer parte da tua vida ainda em Aruanda quando recebi do pai maior a tarefa de aprender a perdoar nesta encarnação. você é o que chamam de carma, razão dos meus fios brancos e grossos, das olheiras fundas, do medo filho da puta de encarar teu rosto já velho e vociferar o silêncio de todos esses anos, te desafiando a demonstrar afeto, consideração. você não sabe, mas eu escrevo. e hoje, mesmo acreditando que você não seja digno do meu tempo ou coragem, as palavras são tuas porque por algum motivo eu também acredito no teu coração machucado. ele parece muito com o meu. nossas semelhanças fazem meu grito por perdão transpassar a dor em meu peito, mas você é uma muralha intransponível e do lado de dentro do concreto não consegue me ouvir. eu sou o sopro que passa no teu ouvido como um alerta quase inaudível de que algo está fora de ordem. você afasta com as mãos meu zumbido como quem acena dizendo adeus, convicto da estupidez, mas ignorando a intuição. eu te escolhi e nem sei porquê, mas oxum me diz que é com teu andar torto e contido, através do amor que me foi omitido, que vou de encontro ao caminho da evolução. Oraieiê, minha mãe! dei o primeiro mergulho em tuas águas e como é maravilhoso não perder o fôlego na travessia. sou forte como um touro e frágil como o acaso. ainda não sei perdoar, mas deixei sangrar a ferida. só cura depois que estanca. espero escorrendo. viva. porque você carrega meu sangue, mas não aprisiona mais minha alma. aguardo revê-lo em breve para o acerto de nossas contas.
Com o amor que ainda resta por teima ou otimismo, Lia.
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Julho 2017
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