EPÍSTOLA AO FUTURO AMORMalú Nunes o desejo é de riscar o fósforo e explodir a estrada. observando os carros dançarem no ritmo apressado da rotina, acendo o cigarro e queimo por dentro. minha ruína foi perder o controle do sono e das palavras: durmo e calo de desgosto. é amargo o não querer na ponta da língua e distribuo longos beijos sem sabor por corpos alheios salgados de sexo casual. eu sou um bicho racional: é pele que mente, mente que repele. não apele, as asas se mantêm guardadas nos tecidos ou cabelos, mas ainda batem ininterruptamente. tatuagem, signo do meu livre arbítrio, do meu descaso em pousar - senhores passageiros, por segurança afrouxem os cintos e segurem o coração. não mais peito arregaçado, não mais borboletas passeando no meu estômago leve e levianamente afetado pelo álcool, e isso também é uma forma de amar. a mim mesma. com bravura me desbravo enquanto apronto a cama para quem fica na manhã seguinte e na seguinte e na seguinte. e me faça café enquanto fumo um cigarro antes de ir trabalhar e me beije dando bom dia e se entregue à rotina dizendo que vai sentir saudade. mas não hoje, nem amanhã. sem previsão para abrir o peito, brinco com as pernas. por entre pontas não dou nós. amar, verbo intransitivo, sentenciou Mário. gramática e semântica caminham juntas, razão e sentimento, te sujeito a objeto nessa oração. amém. tudo às claras para a gente se misturar no escuro: jogo é jogo, regra é regra. e quando a casa estiver pronta, que o amor seja bem-vindo. não bata à porta, se aposse de todo cantinho, se espalhe nas frestas e no colchão. eu vou comer o cheiro único concentrado nas maçãs do seu rosto, e suspirar observando seus olhos sorrirem. nada mais bonito que um sorriso de canto de olho. serei completamente apaixonada pelo seu, eu sei. sei porque me apaixono por coisas bobas e detalhes que me fazem tomar porres homéricos quando sinto saudade depois que acaba. sei também que vou rir até das piadas sem graça e brigar porque você se atrasou. olha, a gente nem se conhece, mas você vai se emocionar com os versos que lhe dedicarei, vai me amar loucamente e me achar a mulher mais incrível que já conheceu, afinal eu sou mesmo maravilhosa. em contrapartida, eu vou gravar cada risada e conversa, repeti-las mentalmente por horas a fio ao invés de preencher as planilhas do trabalho, entregar todo o bem que lateja nas minhas veias, doido para ser seu. então depois de tanta entrega, vamos suspirar de cansaço e cada qual com seu passo seguir a vida que há na frente, viraremos descaso do acaso. o amor é poesia barata, vulgar e volátil. pega a gente pela rima simples de folhetim. a gente só se dá conta do aperreio quando ensaia um riso frouxo e sem vergonha procurando as previsões do signo do outro no verso dos versos chulos na banca cheia de vozes e cheiros desagradáveis no meio da rodoviária do plano piloto. dádiva e desespero. e tem gosto doce que aflora por todos os lados da língua, quando beija um corpo que vibra no ritmo do peito. ele escorre como um rio cristalino pelas pernas e vai de encontro ao mar que mora no abraço que se dá em silêncio enquanto os dedos ainda formigam e o rosto ainda queima. então, quando eu for tão minha que possa então ficar na sua, pulo sem olhar para o chão e te entrego de bandeja minhas gargalhadas porque meu coração é transeunte, mas graças a deus nunca foi covarde.
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Julho 2017
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