3 poemas de Samia Mounzersão três mo(vi)mentos: i. (tentar) dar ordem ao caos; ii. aceitar o caos como a ordem; iii. fazer do veneno vacina. às vezes, eu me sinto no topo de uma onda num lugar alto vendo coisas que só a minha visão pode enxergar entre o mar e o resto do mundo, no instante em que sou uma fronteira o ponto limite no traço de uma linha imaginária entre duas imensidões no topo de uma onda que está prestes a desmoronar, e eu tenho poder e medo depois, me vejo no coração da correnteza onde a água muda o rumo, ou sendo jogada à beira até quando a água quebrar e a água ficar despedaçada em cacos feito um papel picado que breve-breve se refaz líquido (e eu também consigo evaporar não sei como aprendi a passar por todos os estados das coisas) a vida, às vezes, atropela a gente e saio eu criança feliz me reerguendo do caixote, misto de vergonha e orgulho em busca de um olhar que tenha testemunhado a vitória sobreviver é um mérito único, é o ato heroico de cada um não sei se tudo retorna ao ponto de origem ou se a origem das coisas em tudo permanece e a gente desencontrado fica sentindo que não consegue voltar à origem que nos acompanha a lucidez das coisas é uma espécie de reencontro eu antecipo os acontecimentos eu me recupero de qualquer estrago eu não evito nada a vida estraçalha os sonhos e dos sonhos desfeitos moldamos sonhos novos, somos incansáveis não sei quem me ensinou a ter todos todos os tamanhos e gostar de ser pequenininha Marcel agia como se estivesse convicto de que tinha bons motivos para fazer o que quer que fosse. Suponho que Marcel tenha chegado a essa conclusão em algum momento distante, e de maneira subterrânea. O fato é que, depois dessa sentença, Marcel jamais revisitara esse pensamento. Porque Marcel refletira em um momento originário, Marcel não voltaria a refletir jamais. Marcel agia obstinado, acreditava que fazia escolhas importantes. Marcel tinha - seus - bons motivos para os atos ilegítimos. E quando apanhava da vida - sem glória - pensava, no seu íntimo - suponho eu -, que se a vida lhe batia assim tão corriqueira, tão grave e tão destinada, é que a vida só batia em quem era capaz de suportar. E suportava, sem carma nem cruz, sem prazer nem dor, o que julgava ser seu prêmio. Apanhar da vida, talvez fosse, para Marcel, sua própria glória, ou, ainda, a única espécie de troca que conhecia. Marcel era a imagem desfigurada de um homem, a personificação da iniquidade. A Marcel, nem choro nem vela. Nenhum lamento ou comiseração. Apenas a vida que batia sem arrebatar. A autora:
Samia Mounzer tem 29 anos e mora em Campos (RJ). É servidora pública, amante de causas perdidas, irrelevâncias, sonhos e correntezas. Publica seus poemas aqui.
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Julho 2017
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