POESIA E PROPAGANDA Hei-de mandar arrastar com muito orgulho, Pelo pequeno avião da propaganda E no céu inocente de Lisboa, Um dos meus versos, um dos meus Mais sonoros e compridos versos: E será um verso de amor... Alexandre O´Neill.
0 Comentários
36 a proporção é morta. a geometria tem tristeza. Os seios feridos deitam sangue em vez de leite. a matemática é impossível a confirmação é a insistência do impossível a prova é morder o fantástico e dar importância aos dentes a proporção é MORTA. Os ossos têm Cérebro e apaixonam-se. a geometria tem tristeza todo o conceito tem buracos por onde se escapa o vinho e o INSÓLITO. a proporção é MORTA o corpo é a biografia das últimas horas da CARNE à frente da técnica É o dia depois da geometria (a dança) últimas horas da carne à frente da técnica. Gonçalo M. Tavares.
POEMA DO JORNAL O fato ainda não acabou de acontecer e já a mão nervosa do repórter o transforma em notícia. O marido está matando a mulher. A mulher ensangüentada grita. Ladrões arrombam o cofre. A polícia dissolve o meeting. A pena escreve. Vem da sala de linotipos a doce música mecânica. Carlos Drummond de Andrade.
Carla T. Rocha Dois goles de cachaça, Cigarros baratos, Olhar silente, Ponteiros tic-tac, tic-tac. Sobre a cadeira Enquanto os olhos observam As curvas redondas e gostosas, Chamativas e sensuais Da poltrona que abriga A sua ausência. O rock em volume baixo Pra não incomodar os vizinhos, O copo mais do que minha vida Cheio. A fumaça no ar colore de cinza As paredes brancas, A pequena janela quebrada, O relógio E o vazio do porta-retrato. Fumo nais um cigarro, A pressão abaixa, A cabeça dá um giro, A mão treme. Quantos fumei, E quantas vezes as cinzas bati? Vejo ao chão os pedaços de pratos Quebrados, O violão destruído, E as suas blusas preferidas Rasgadas. Olho o relógio, Já é quase hora. Levanto cantarolante e desligo a TV, A sua amada. Jogo o copo de vidro na tela E ouço aquele baque. Apago as luzes, Pulo a janela E quando você abre a porta Do coração E me procura Já estou lá fora. Carla T. Rocha, eis meu nome. Quando ler o que escrevo, talvez eu tenha duas décadas de vida, talvez três, ou talvez mais, tudo a depender do tempo que sempre vai empurrando à existência uma de suas pedrinhas a mais. Das redondezas de Brasília, tal cidade misteriosa e monumental. Das redondezas de meu ser, que mesmo eu conheço tão mal...
Lembrança de Morrer Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nenhuma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro, … Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro; Como o desterro de minh’alma errante, Onde fogo insensato a consumia: Só levo uma saudade… é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia. Só levo uma saudade… é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas… De ti, ó minha mãe, pobre coitada, Que por minha tristeza te definhas! De meu pai… de meus únicos amigos, Pouco – bem poucos… e que não zombavam Quando, em noites de febre endoudecido, Minhas pálidas crenças duvidavam. Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei… que nunca Aos lábios me encostou a face linda! Só tu à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores… Se viveu, foi por ti! e de esperança De na vida gozar de teus amores. Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizar-se o sonho amigo… Ó minha virgem dos errantes sonhos, Filha do céu, eu vou amar contigo! Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Foi poeta – sonhou – e amou na vida. Sombras do vale, noites da montanha Que minha alma cantou e amava tanto, Protegei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe canto! Mas quando preludia ave d’aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos… Deixai a lua pratear-me a lousa! Álvares de Azevedo.
Noite Até de madrugada falámos e bebemos, não interessa onde nem quais os assuntos. Sobre as nossas palavras calado o firmamento e querer desvendá-lo era mais do que um capricho. Para quê tanta frase desdobrando uma ideia? Para quê tanta citação tirada de livros? Bastava o teu olhar para apagar a neblina e as nossas intuições profundas de sentido. Se tal noite calada era a noite de nós dois e o amor, água escura de um saber infinito. José Mateos.
FIM Eu existo para assistir ao fim do mundo. Não há outro espetáculo que me invoque. Será uma festa prodigiosa, a única festa. Ó meus amigos e comunicantes, Tudo o que acontece desde o princípio é a sua preparação. Eu preciso presto assistir ao fim do mundo Para saber o que Deus quer comigo e com todos E para saciar minha sede de teatro. Preciso assistir ao julgamento universal, Ouvir os coros imensos, As lamentações e as queixas de todos, Desde Adão até o último homem. Eu existo para assistir ao fim do mundo, Eu existo para a visão beatífica. Murilo Mendes.
PALAVRAS Golpes De machado na madeira, E os ecos! Ecos que partem A galope. A seiva Jorra como pranto, como Água lutando Para repor seu espelho Sobre a rocha Que cai e rola, Crânio branco Comido pelas ervas. Anos depois, na estrada, Encontro Essas palavras secas e sem rédeas, Bater de cascos incansável. Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas Decidem uma vida. Sylvia Plath (tradução de Ana Cristina César).
Carla T. Rocha O mundo real inflige um tal sono De fechar para sempre os olhos, Mas não durmo, Os meus caminhos escrevo. Sei que ao fechar os olhos Perderei a caneta. O pulso, inerte, Mostrar-me-á o escuro Da alienação. Já me dói o peso da realidade Que me deseja Funcionário de seus caminhos comuns, A ser um homem igual A todo homem que vende os seus sonhos Num trabalho de máquina, - E sente intenso vazio se não o faz. Piscadas mais longas. Um lapso - estou aqui, ou lá? (Lá, no mundo dos que não têm arte, Não tem poesia e estão mortos!) Aperto mais forte a caneta. Só mais uma palavra, só mais uma É ela que me prende ao meu mundo Ao que sou. Enquanto para viver Os que dormem Inspiram Enormes quantias de ar, Inspiro, em grandes tubos, O que alguém esqueceu no mundo: A poesia. (Adormecido) As palavras somem O verso é compasso inacabado. A caneta escorrega, Morrer é o defeito dos poetas A indiferença é o defeito da vida. Carla T. Rocha, eis meu nome. Quando ler o que escrevo, talvez eu tenha duas décadas de vida, talvez três, ou talvez mais, tudo a depender do tempo que sempre vai empurrando à existência uma de suas pedrinhas a mais. Das redondezas de Brasília, tal cidade misteriosa e monumental. Das redondezas de meu ser, que mesmo eu conheço tão mal...
Capítulo Primeiro Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítimas defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo. A primeira mulher que possuí foi sob a ponte do Sena, em pleno coração do meu Paris imaginário; e ainda me lembro de que ela me sorria com uns dentes que refletiam as estrelas e as lâmpadas do cais adormecido, e dizia-me coisas numa língua que eu não conhecia. Paguei-lhe à vista, e subi eufórico em direção a uma rua de onde vinham sons de uma mandolinata inenarrável, e que se esvanecia à medida que eu me aproximava, e que acabou por desaparecer de todo. Sentei-me no chão, aturdido acendi um cigarro e deixei que ele fumasse por si mesmo, e depois morri tranquilamente, dentro da noite calma. Campos de Carvalho.
|
Archives
Julho 2017
Categories
Todos
|
ESCORRER