PALAVRAS Golpes De machado na madeira, E os ecos! Ecos que partem A galope. A seiva Jorra como pranto, como Água lutando Para repor seu espelho Sobre a rocha Que cai e rola, Crânio branco Comido pelas ervas. Anos depois, na estrada, Encontro Essas palavras secas e sem rédeas, Bater de cascos incansável. Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas Decidem uma vida. Sylvia Plath (tradução de Ana Cristina César).
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III cinquenta e sete e oito e nove rostos diferentes nenhum é o seu o meu como o padeiro o trocador que fazem parte da vida em qualquer canto sessenta e um e dois a sensação de estar sendo empurrado a todo tempo é a única familiaridade que existe pagaria para caminhar em ruas desertas pagaria com o silêncio a teria em mim como um viajante carrega no soslaio de sua direção a lição da solidão sua imagem de costas a ganhar distância e três e quatro e cinco Tiago D. Oliveira.
TRAN(S)ÇA Quero alguém para trançar-lhe os cabelos Sentar na grama Sou de terra Terra. Terra para os pés, firmeza Terra para as mãos, carícia Você deitada Cabeça em meu colo E eu a trançar-lhe com os dedos Cada fio passando por minha pele Arrepios E o tempo perene Embrenhando-a em mim. Aline Miranda.
Encarando chove há cinco dias sem parar o mundo é uma poça redonda de água nublada onde pequenas ilhas estão só começando a encarar um menino pequeno está liberando água do seu canteiro quando eu pergunto por quê ele me diz que sementes novas que nunca viram o sol esquecem-se e afogam-se fácil Audre Lorde (tradução de Ricardo Domeneck).
Um dia, lembra-te desta cidade despedaçada entre o ruído a estupidez e a dor. Criamos a infidelidade, o azul das calçadas de um outro continente. A loucura tornou-se útil. Nos esforçamos para desenhar as portas de saída Desde teus olhos o vazio se reinventará. Ouvi as orações do nosso sexo sufocada pelo peso das palavras o buraco no vosso jeans azul é a única janela que leva à esperança. Nós sonhamos todos com as calçadas. Os gritos de nossa nudez são inúteis Como vossos silêncios. Emmelie Prophéte.
XX vocês estão cegos graças ao temor olhares mortos sugando-me o sangue não serei vossa sobremesa nesta curta temporada no inferno eu quero que seus rostos cantem eu quero que seus corações explodam em línguas de fogo meu silêncio é um galope de búfalos meu amor cometa nômade de riso indomável façam seus orifícios cantarem o hino à estrela da manhã torres & cabanas onde foi flechado o arco-íris eu abandonei o passado a esperança a memória o vazio da década de 70 sou um navio lançado ao alto-mar das futuras combinações Roberto Piva.
Émulos Foi como amor aquilo que fizemos ou tacto tácito? – os dois carentes e sem manhã sujeitos ao presente; foi logro aceite quando nos fodemos Foi circo ou cerco, gesto ou estilo o acto de abraçarmos? foi candura o termos juntos sexo com ternura num clima de aparato e de sigilo. Se virmos bem ninguém foi iludido de que era a coisa em si – só o placebo com algum excesso que acelera a líbido. E eu, palavrosa, injusta desconcebo o zelo de que nada fosse dito e quanto quis tocar em estado líquido. Margarida Vale de Gato.
SEAGRAM MURALS Aquilo é um crânio, Rhodes fora perfeitamente inóspita Um novo colosso, uma nova antecâmara de fogo recolhido como um urso a uma caverna. Ela disse: uma ligeira dor de cabeça. Um pé é igual a uma sala. As paredes feridas sangram em silêncio. O sangue coagulado o silêncio do sangue. As palavras aqui apodreceram. Trezentos e sessenta graus de gritos como a rábida abetarda à solta numa câmara de ressonância. Daniel Jonas.
Obriga-me E por que haverias de querer minha alma Na tua cama? Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas Obscenas, porque era assim que gostávamos. Mas não menti gozo, prazer, lascívia Nem omiti que a alma está além, buscando Aquele Outro. E te repito: por que haverias De querer minha alma na tua cama? Jubila-te da memória de coitos e de acertos. Ou tenta-me de novo. Obriga-me. Hilda Hilst.
RUGOVE Levantei-me para o contrário disto – a tempestade Foi como daquela vez em que morava na América E regressei a casa para o contrário disto – a quebra Prometeram-nos dias de sol após o terror dos 30 dias Disseram que fevereiro seria o contrário disto – o breu Vesti-me a rigor para o desenho na casca dos jacarandás Porque estava anunciado nos cartazes o contrário disto Achei que nalgum momento a luz viria tomar conta de tudo Que de uma forma ou outra lavaríamos os cabelos no mar Mas hoje o que se vê da janela é o lado oposto do clarão É mais uma volta na avenida com ombros cobertos de pavor E eu só sei que acordamos sempre para o contrário disto Somos os filhos do verão – somos o inverso da escuridão Matilde Campilho.
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Julho 2017
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