a Gelsa e Álvaro Ribeiro da Costa Brasília Desenhada por Lúcio Costa Niemeyer e Pitágoras Lógica e lírica Grega e brasileira Ecuménica Propondo aos homens de todas as raças A essência universal das formas justas Brasília despojada e lunar como a alma de um poeta muito jovem Nítida como Babilónia Esguia como um fuste de palmeira Sobre a lisa página do planalto A arquitectura escreveu a sua própria paisagem O Brasil emergiu do barroco e encontrou o seu número No centro do reino de Ártemis — Deusa da natureza inviolada -- No extremo da caminhada dos Candangos No extremo da nostalgia dos Candangos Athena ergueu sua cidade de cimento e vidro Athena ergueu sua cidade ordenada e clara como um pensamento E há no arranha-céus uma finura delicada de coqueiro. Sophia de Mello Breyner.
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SONETO DAS DEFINIÇÕES Não falarei de coisas, mas de inventos e de pacientes buscas no esquisito. Em breve, chegarei à cor do grito, à música das cores e do vento. Multiplicar-me-ei em mil cinzentos (desta maneira, lúcido, me evito) e a estes pés cansados de granito saberei transformar em cataventos. Daí, o meu desprezo a jogos claros e nunca comparados ou medidos como estes meus, ilógicos, mas raros. Daí também, a enorme divergência entre os dias e os jogos, divertidos e feitos de beleza e improcedência. Carlos Pena Filho.
entrei no beco das putas que cobram pouco em que as palavras são silenciosas em que o sangue e a bile cantam com olhos ao escorrer do coração à vagina três dias por mês sangue fétido de bile o último mistério do elêusis pitonisa-gueixa assassina fria faço-me vadia e te alforrio, homem deixo-me sangrar adrede para te ver secar para sorrir bem nos teus olhos quando não mais sentir amor ou ira e tuas lágrimas mas que peninha, bozo me comoverão como o cheiro da lama ao bocejar do esgoto. Fabíola Lacerda.
POEMA SOBRE A RECUSA Como é possível perder-te sem nunca te ter achado nem na polpa dos meus dedos se ter formado o afago Sem termos sido a cidade nem termos rasgado pedras sem descobrirmos a cor nem o interior da erva Como é possível perder-te sem nunca te ter achado minha raiva de ternura meu ódio de conhecer-te minha alegria profunda Maria Teresa Horta.
É IMPORTANTE FODER É importante foder (ou não foder)? É evidente que não, não é importante. Fode quem fode e não fode quem não quer. Com isso ninguém tem nada Mas mesmo nada A ver. O que um tanto me tolhe é não poder confiar Numa coisa que estica e depois encolhe, Uma coisa que é mole e se põe a endurar e A dilatar a dilatar Até não se poder nem deixar andar Para depois se sumir E dar vontade de rir e d’ir urinar. Isso eu o quis dizer naquele verso louco que tenho ao pé: “O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é ”Verso que, como sempre, terá ficado por perceber (por mim até). Também aquela do “outrora-agora” e do “ah poder ser tu sendo eu ” foi um bom trabalho. Para continuar tudo co’a cara de caralho Que todos já tinham e vão continuar a ter Antes durante e depois de morrer. Mário Cesariny.
POESIA E PROPAGANDA Hei-de mandar arrastar com muito orgulho, Pelo pequeno avião da propaganda E no céu inocente de Lisboa, Um dos meus versos, um dos meus Mais sonoros e compridos versos: E será um verso de amor... Alexandre O´Neill.
36 a proporção é morta. a geometria tem tristeza. Os seios feridos deitam sangue em vez de leite. a matemática é impossível a confirmação é a insistência do impossível a prova é morder o fantástico e dar importância aos dentes a proporção é MORTA. Os ossos têm Cérebro e apaixonam-se. a geometria tem tristeza todo o conceito tem buracos por onde se escapa o vinho e o INSÓLITO. a proporção é MORTA o corpo é a biografia das últimas horas da CARNE à frente da técnica É o dia depois da geometria (a dança) últimas horas da carne à frente da técnica. Gonçalo M. Tavares.
POEMA DO JORNAL O fato ainda não acabou de acontecer e já a mão nervosa do repórter o transforma em notícia. O marido está matando a mulher. A mulher ensangüentada grita. Ladrões arrombam o cofre. A polícia dissolve o meeting. A pena escreve. Vem da sala de linotipos a doce música mecânica. Carlos Drummond de Andrade.
Lembrança de Morrer Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nenhuma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro, … Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro; Como o desterro de minh’alma errante, Onde fogo insensato a consumia: Só levo uma saudade… é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia. Só levo uma saudade… é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas… De ti, ó minha mãe, pobre coitada, Que por minha tristeza te definhas! De meu pai… de meus únicos amigos, Pouco – bem poucos… e que não zombavam Quando, em noites de febre endoudecido, Minhas pálidas crenças duvidavam. Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei… que nunca Aos lábios me encostou a face linda! Só tu à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores… Se viveu, foi por ti! e de esperança De na vida gozar de teus amores. Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizar-se o sonho amigo… Ó minha virgem dos errantes sonhos, Filha do céu, eu vou amar contigo! Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Foi poeta – sonhou – e amou na vida. Sombras do vale, noites da montanha Que minha alma cantou e amava tanto, Protegei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe canto! Mas quando preludia ave d’aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos… Deixai a lua pratear-me a lousa! Álvares de Azevedo.
Noite Até de madrugada falámos e bebemos, não interessa onde nem quais os assuntos. Sobre as nossas palavras calado o firmamento e querer desvendá-lo era mais do que um capricho. Para quê tanta frase desdobrando uma ideia? Para quê tanta citação tirada de livros? Bastava o teu olhar para apagar a neblina e as nossas intuições profundas de sentido. Se tal noite calada era a noite de nós dois e o amor, água escura de um saber infinito. José Mateos.
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Julho 2017
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