Porque eu sou uma abertura, porque as noites cruzam os cometas, porque a minha pedra com os lados frios contra as faúlhas, porque abre as válvulas e se queima. Alguém com os dedos na cabeça dando a volta à criança, metendo-lhe mais força pelo fogo, criança com um rastilho: ou muita resistência na armadura, ou peso, ou muita leveza, ou dulcíssima: ou fósforo, enxofre, pólvora, sopro, a farpa de outro - e o ourifício que traz para o visível o segredo: gota com a trama de pedra calcinada em torno, a pedra só abertura pela potência de um pouco de pólen oculto. Porque riscam com áscua, porque até à linha pulmonar as labaredas a iluminam, porque um hausto de sangue a ilumina em toda a linha cardíaca, porque as pontas irrompem do núcleo do ouro pequeno. Herberto Helder.
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Thessa Guimarãeso tédio é sádico como tu
assiste à desgraça e sorri na paralisia muda das testemunhas da tortura cinza como tu implacável e sempre um pouco menos cruel do que eu conseguiria provar seu crime perfeito não é mais que passar de horas horas que poderiam viver o tédio calcula quantas gotas de mim precisam escorrer até a morte e celebra no olhar cada bolor o tédio é invejoso como tu e se corrói quando me chega um poema que fale de podridões Viver na beira-mar Nunca o mar foi tão ávido quanto a minha boca. Era eu quem o bebia. Quando o mar no horizonte desaparecia e a areia férvida não tinha fim sob as passadas, e o caos se harmonizava enfim com a ordem, eu havia convulsamente e tão serena bebido o mar. Fiama Hasse Pais Brandão.
Do ventre da baleia ergui meu grito: Senhor! (dizer teu nome só é bom), Em fé, em fé o digo, mesmo com Um coração pesado e contrito Que és de tudo verdade e não mito, O coração do amor, de todo o dom, Conquanto seja raro o bem e o bom E toda a luz aqui me falhe, és grito Que chama toda a chama de esperança E acorda a luz que resta à réstia eterna, Conquanto viva o mártir na espelunca Da vida (quem espera amiúde alcança)…: Possa o nazireu preso na cisterna Sofrer de ser só tarde mas não nunca. Daniel Jonas.
Meteoro Eu direi as palavras mais terríveis esta noite enquanto os ponteiros se dissolvem contra o meu poder contra o meu amor no sobressalto da minha mente meus olhos dançam no alto da Lapa os mosquitos me sufocam que me importa saber se as mulheres são férteis se Deus caiu no mar se Kierkegaard pede socorro numa montanha da Dinamarca? os telefones gritam isoladas criaturas caem no nada os órgãos de carne falam morte morte doce carnaval de rua do fim do mundo eu não quero elegias mas sim os lírios de ferro dos recintos há uma epopéia nas roupas penduradas contra o céu cinza e os luminosos me fitam do espaço alucinado quantos lindos garotos eu não vi sob esta luz? eu urrava meio louco meio estarrado meio fendido narcóticos santos ó gato azul da minha mente Oh Antonin Artaud Oh Garcia Lorca com seus olhos de aborto reduzidos a retratos almas almas como icebergs como velas como manequins mecânicos e o clímax fraudulento dos sanduíches almoços sorvetes controles ansiedades eu preciso cortar os cabelos da minha alma eu preciso tomar colheradas de Morte Absoluta eu não enxergo mais nada meu crânio diz que estou embriagado suplícios genuflexões neuroses psicanalistas espetando meu pobre esqueleto em férias eu apertava uma árvore contra meu peito como se fosse um anjo meus amores começam crescer passam cadillacs sem sangue os helicópteros mugem minha alma minha canção bolsos abertos da minha mente eu sou uma alucinação na ponta de teus olhos Roberto Piva.
SENTINELAThessa Guimarãespúrpura - horrível
teu feitiço e a correlata maldição minhas cicatrizes tuas doem no frio latejam na raiva curtida na tua loucura sou seca mas meu sabor é de carne ao sol porque rachei e desmoronei sou terra tectônica agora se ouve que os demônios reinaram por aqui em breve banqueteiam e se acasalam devagar mas garanto os anjos por aqui não passam sou ruínas que não esperam nada tua maldição, ao se cumprir abre outras e sou sua sentinela cheia de graça Assisto à montanha e não me apetece mais nada, nem que o palco se ilumine nem que me traduzam o texto. Um corpo sem pegadas é o lugar perfeito para o abandono. Catarina Nunes de Almeida.
Ofício Os poemas que não fiz não os fiz porque estava dando ao meu corpo aquela espécie de alma que não pôde a poesia nunca dar-lhe Os poemas que fiz só os fiz porque estava pedindo ao corpo aquela espécie de alma que somente a poesia pode dar-lhe Assim devolve o corpo a poesia que se confunde com o duro sopro de quem está vivo e às vezes não respira. Gastão Cruz.
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